Uma reflexão sobre maternidade e carreira

Sempre soube que seria mãe e continuaria com a minha carreira. Não teve um espacinho no meu coração que tenha duvidado de que eu viveria esse binômio. Existe em mim uma voracidade pela vida, fazer tudo ao mesmo tempo, tocar todos os projetos, e a maternidade não iria aplacar isso facilmente. Ainda assim, tinha a certeza de que seria um desafio constante conseguir equilibrar tudo na mesma cesta.

De vez em quando eu me pergunto quando eu passei a ser essa pessoa ligada no 220V. Desconfio que foi uma conversa derradeira da minha mãe comigo e com a minha irmã lá no fim da década de 1980.
– Meninas, sentem aqui comigo um minutinho.
Empilhamos nossos sanduíches com suco no sofá da sala e ouvimos atentas ao discurso:
– Meninas, eu quero que no dia de hoje, vocês olhem pra mim e tenham a certeza de que vocês jamais serão iguais a mim. Eu sou o exemplo do que vocês jamais devem ser na vida!
Ficamos olhando pra cara dela boquiabertas.
– A sua mãe parou de estudar para trabalhar, deixou de trabalhar para cuidar de vocês e hoje estou nessa situação, sem carreira, sem possibilidade de conseguir um emprego, sem diploma debaixo do braço. Eu vou lutar todos os dias para vocês serem independentes financeiramente. Vocês vão estudar, trabalhar, casar e ter filhos. E se vocês casarem mil vezes, vai entrar e sair marido da vida de vocês e a vida de vocês não vai mudar nem um centímetro!

E enquanto a gente continuava com um ponto de interrogação bem firme na testa, ela saiu tranquilamente para seus afazeres domésticos.

Anos se passaram e ela lutou ao meu lado para que eu fizesse duas faculdades, um mestrado no exterior, todos os estágios possíveis e estivesse empregada desde cedo. Mais do que simplesmente ter um emprego, eu tinha sonhos. E no meio desse sonho eu me apaixonei, casei e tive a Victoria.

Eu não tirei licença maternidade. Quando se é a própria chefe em uma empresa de uma pessoa, fica difícil dividir os afazeres. Consegui desacelerar um pouco, temporariamente. O bom é que eu pude ficar 10 meses trabalhando de casa. No início foi fácil. Eu trabalhava e ela ficava ali no balanço, me olhando e se distraindo com móbiles. Entre amamentar em livre demanda e trocar fraldas, eu respondia e-mails. Mas depois que ela ficou maior, suas necessidades também aumentaram e a barra pesou. Durante um tempo eu consegui ter um cercadinho na minha sala do escritório, mas a solução foi temporária, porque ela queria minha atenção, companhia e liberdade.

Chegou o dia de escolher o rumo que a nossa vida iria tomar e eu escolhi a creche sem culpa. Cá entre nós, eu amava minha bolotinha mais do que tudo, mas estava ansiando por retomar minha rotina profissional. Tudo bem? Que nada. Tudo ficou mais confuso. Ela passou a viver doente. Eu basicamente pagava a creche para ela ficar em casa. Não via uma luz no fim do túnel e passei um ano tentando ser a mãe polvo que cuida de tudo: da casa, do marido, da filha, da carreira, tentando esticar o tempo escasso com pinça. Não conseguia fazer mais nada direito e fiquei bem deprimida. A vida que eu escolhi tinha que funcionar. No meio do caminho tomei uma rasteira da vida e me separei. Foi uma sensação de fracasso profunda, mas eu só tinha duas opções: ou desistia ou tomava impulso. E, sempre guerreira, respirei fundo e fui em frente.

Fui pra análise, me coloquei como prioridade, me livrei de excessos, aparei as arestas e vivi a dor com intensidade. Victoria estava mais velha e começou a dormir a noite toda. Acreditem amigas, isso fez toda a diferença. Eu era um corpo precisando de descanso e só depois que passei a dormir é que a vida também começou a entrar no eixo. Hoje Victoria tem quatro anos e eu olho pra trás ainda com um aperto no coração. Penso no que eu teria feito de diferente, hoje que sou mais experiente, se teria funcionado melhor, se ainda estaria casada.

Mas tudo acabou se encaixando nas 24 horas do dia. Ela parou de ficar doente, eu consegui produzir melhor em menos tempo e passei a contar com ajuda terceirizada na empresa e em casa. Não é perfeito. Nada é. Tem dias que ela fica doente, tem dias que eu estou mais assoberbada, em outros dias baixa um mau-humor generalizado em nós duas. Mas aquele desespero do início passou.

E hoje ainda me lembro das palavras exatas da minha sábia mãe, que estava vivendo um dia muito ruim para falar tudo aquilo pra gente. Talvez ela nem saiba o quanto me marcou com aquele desabafo. Acho que ela nunca se deu conta de que, no fundo, ela não precisava nem pedir que a gente se dedicasse a ser diferente dela. Principalmente, porque no fundo somos tão parecidas naquilo que realmente importa. Alguém tinha que ter dito pra ela que não existe jeito certo ou errado de ser mãe. E que, justamente porque a vida dela se apresentou desta maneira que ela sempre foi uma figura essencialmente presente na minha vida e na dos meus irmãos. Ou seja: ela acha que errou, mas no fundo acertou.

Hoje, mesmo sabendo que eu estou fazendo o melhor por mim e também pra Victoria, também questiono alguns dos caminhos que escolhi para trilhar. Essa independência exacerbada vem com um preço, às vezes muito caro pra se pagar. E como queremos que nossos filhos sejam versões evoluídas de nós mesmas, desejo outras coisas para a minha. Quero que ela seja quem ela quiser. Quero que ela seja independente e forte, mas fundamentalmente quero que ela seja feliz. Quero que ela viva as coisas no momento certo. Quero que ela olhe pra mim e saiba que todos os dias eu luto pela gente seja do nosso jeito. Que se eu estiver bem, ela estará bem. Porque a gente aprende pelo exemplo. E se eu não for feliz, como será a vida dela? E ser mulher, mãe e profissional é o caminho que eu escolhi para atingir a minha felicidade. Exatamente do meu jeito. Com o maior amor do mundo. Que foi aquele que a minha mãe me deu.

E você, mãe, como tem equilibrado carreira e filhos? E você filho, filha, se lembra de como era ver a sua mãe trabalhado duro dentro ou fora de casa? Compartilhe com a gente histórias de amor de mãe usando #AmoComoVocêAma e faça parte do nosso movimento. Marque sua mãe nesta mensagem e crie um cartão exclusivo para ela clicando aqui: http://bit.ly/1pYxzPw

 

IMG_5330.PNG

Esse post faz parte da ação #AmoComoVocêAma, um movimento de Comfort para mostrar que não importam as falhas e defeitos de nossas mães, a gente ama o jeito que elas nos amam. Também abraçam essa causa as mães Shirley (www.macetesdemae.com), Luiza e Hilan (www.potencialgestante.com.br).

drama na hora das refeições
Postagem anterior
Como acabar com o drama na hora das refeições
Habilidade materna
Próxima postagem
THM - Teste de Habilidade Materna

2 Comentários

  1. Cristiana Ribas
    29 de setembro de 2014 at 13:34 — Responder

    Oi Camila,
    seus textos são super! E esse se encaixou perfeito.
    Também vivo nessa roda viva de cuidar de casa, filho, marido e do nosso trabalho de cada dia. É uma paulera, mas no fim de cada dia vemos que tudo vale a pena, ou não!! (se é que me entende… naqueles dias que temos vontade de jogar tudo para o alto e ir para um cruzeiro bem longe daqui!)
    E como você vejo que minha mãe tem uma grande parcela disso tudo. Mas, a minha, parou de trabalhar logo que nasci e voltou quando entrei para o colégio. E até hoje é uma batalhadora.
    Uma época da vida ela, que praticamente, me sustentava, sem ajuda do meu pai. E com isso me mostrou a importância que tem em ser independente e seguir pelas nossas pernas.
    E desde cedo, quis que minha pequena fosse independente, depois dos primeiros 3 meses punkrocknrolll, acostumei ela a dormir sozinha, no seu bercinho e desde cedo ela dorme e dorme bem a noite toda.
    Meu início foi bem como seu, trabalho em casa e com ela do meu lado. E agora, ela com 2 anos e 1/2, estou vendo a necessidade de me fazer mais presente e meu dia vai ficando mais longo e minhas noites mais curtas novamente.
    Mas vamos levando, sempre pensando em fazer o que é melhor para ela e para nós. Isso é importante, não esquecer da gente, pois se não estamos bem, acabamos não fazendo o bem.
    bj

  2. Adelia Cruz
    29 de setembro de 2014 at 15:47 — Responder

    Fui mae pela primeira vez muito cedo aos 16 ainda estava cursando oitava serie e com 21 anos ao concluir o ensino medio a #Andreia# com 4 anos, #Alysson# com 3, engravidei da minha terceira gestaçao, fiquei desesperada pq estava com tantos planos. Mas tive q guardar todos os meus planos e ser mae. Hj meus filhos estao com 18, 17 e 14 anos, e eu com 35, concursada a 7 anos, e agora dia primeiro d setembro comecei estudar letras na UFPA. Mais um sonho q se realiza. Deus me tem sido muito bom para mim. #Adelia##Cruz#

Envie uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

*

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Voltar
COMPARTILHAR

Uma reflexão sobre maternidade e carreira